Ilustração em estilo xilogravura representando a criação do mundo no Candomblé, com Oxalá moldando o barro da vida com axé e serenidade.Oxalá e a criação do mundo: o barro, o axé e o início de tudo segundo o Candomblé.

Antes da criação do mundo que conhecemos existir, havia o Orun — um plano espiritual habitado por orixás e ancestrais. Tudo era feito de energia, luz e axé. Nesse cenário primordial, surge Oxalá com uma missão divina: dar forma ao mundo físico, o Aiyê. A palavra-chave aqui não é só “criação” — é transformação com axé, com propósito e ancestralidade.

O barro, o tempo e o axé

Oxalá foi escolhido por Olodumarê, o Ser Supremo, para liderar a criação do mundo. Carregando um saco de ferramentas sagradas e um monte de barro, ele desceu ao Aiyê. Mas o que parecia simples exigia mais do que força: era preciso paciência e fé. Oxalá modelava montanhas, rios, animais e humanos com calma, sempre respeitando os ritmos da natureza. O barro era forma, mas só Olodumarê poderia soprar a vida: essência e axé.

Essa criação não foi isenta de falhas. Em algumas versões do itan, Oxalá esquece rituais, se embriaga e perde o direito de finalizar a tarefa. Quem a conclui é Oduduwa. Porém, a lição se revela profunda: a verdadeira criação do mundo exige humildade. Por isso, Oxalá se torna o orixá da serenidade, da reconciliação e da criação espiritual.

“Oxalá modelou o barro com silêncio e intenção. Mas foi Olodumarê quem soprou a alma. Porque criar é sempre uma obra em conjunto entre a matéria e o espírito.”

Criação como fundamento no Candomblé

No Candomblé, a criação do mundo é mais que um mito — é fundamento. Oxalá ensina que tudo começa com o axé da intenção. Suas oferendas são feitas com calma, suas festas são brancas e silenciosas. Criar não é ter pressa — é saber esperar o tempo certo de cada coisa. Por isso, o orixá da criação não grita nem se impõe: ele molda, inspira e transforma.

Oxalá nos mostra que cada gesto criativo, cada ritual, cada construção no terreiro ou na vida precisa de axé, paciência e conexão com o sagrado. Criar é honrar o que veio antes e preparar o que virá depois.

Barro e axé na palma da mão

A criação do mundo por Oxalá também nos lembra de que tudo o que é sagrado é simples: barro, contas brancas, pano, silêncio e fé. Relembrar essa história é lembrar que ainda hoje precisamos do barro de Oxalá para construir um mundo com respeito, dignidade e propósito.

Oxalá é lembrado todas as sextas-feiras, dia consagrado à pureza e à criação. Suas comidas ritualísticas, como o amalá branco, a canjica e o inhame, reforçam o simbolismo do branco como cor da paz e da renovação. O pano branco, que cobre seu altar, é também um véu entre os mundos — o espiritual e o material.

A criação do mundo não termina: ela se renova

No mundo moderno, muitas vezes nos desconectamos da essência da criação. Construímos com pressa, criamos com ansiedade, esquecemos o axé. Mas o Candomblé nos lembra: toda criação é um ciclo, um ritmo, um tempo sagrado. Oxalá continua presente cada vez que alguém molda algo com fé, com amor e com respeito às raízes.

É por isso que nos terreiros, quando se ergue uma casa de axé, se pede licença a Oxalá. Quando se inicia um novo ciclo, se pede sua bênção. Porque ele não é apenas o criador do mundo — é também o guardião da criação contínua.

O axé da criação em nossa vida

Resgatar o sentido da criação é resgatar Oxalá dentro de nós. É reconhecer que cada projeto, cada palavra, cada gesto pode ser feito com axé. É transformar o cotidiano em sagrado. A verdadeira criação não vem da vaidade ou da velocidade — vem da escuta, da calma e da conexão com o divino.

Por isso, ao falar de criação, falamos de um dos pilares do Candomblé. E falamos de Oxalá, o orixá que ensinou que tudo pode ser recriado — desde que haja fé e intenção verdadeira.


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By Carlos Duarte Junior

Carlos Augusto Ramos Duarte Junior é um explorador apaixonado pela cultura e espiritualidade afro-brasileira. Influenciado pelas mulheres fortes e sábias de sua família, ele busca incessantemente entender e compartilhar o conhecimento sobre o Candomblé. Desde jovem, Carlos foi inspirado por sua mãe, avó, tia e irmã, que despertaram nele uma curiosidade pelas tradições ancestrais do Brasil. Formado em Economia, ele encontrou sua verdadeira paixão na cultura afro-brasileira, mergulhando no estudo do Candomblé. Suas experiências com sua tia sacerdotisa e sua irmã pesquisadora aprofundaram sua conexão com a espiritualidade do Candomblé. Carlos visitou terreiros, participou de cerimônias sagradas e estudou a história e mitologia desta religião. Ele compartilha seu conhecimento através do livro “Candomblé Desmistificado: Guia para Curiosos”, buscando quebrar estereótipos e oferecer uma visão autêntica desta tradição espiritual. Carlos é um defensor da diversidade e do respeito às religiões de matriz africana, equilibrando sua vida entre a escrita, a família e a busca contínua pelo conhecimento. Com seu livro, Carlos convida os leitores a uma jornada pelos mistérios e belezas do Candomblé.

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