Tia Ciata e o Nascimento do Samba no Candomblé
setembro 27, 2024 | by Carlos Duarte Junior

Tia Ciata é um nome que atravessa os tempos com força de ancestral. Muito mais que uma figura histórica, ela representa o cruzamento entre fé, cultura e resistência. Foi em sua casa, na antiga Praça Onze, que o samba urbano carioca nasceu, embalado pelo batuque dos atabaques e pela proteção dos orixás. Mas sua importância vai além da música: ela era uma iyalorixá, uma mulher de axé, e uma estrategista da sobrevivência negra no Brasil pós-abolição.
Thank you for reading this post, don't forget to subscribe!A baiana do tabuleiro que encantou o Rio
Nascida Hilária Batista de Almeida, em Santo Amaro da Purificação (BA), Tia Ciata chegou ao Rio de Janeiro ainda jovem, no final do século XIX. Como muitas outras mulheres baianas, encontrou no tabuleiro de quitutes uma forma de garantir sustento e visibilidade. Suas comidas — bolinhos, acarajés, mingaus — não apenas alimentavam o corpo, mas também criavam redes sociais de proteção, troca e ancestralidade.
Instalada na região da Pequena África, sua casa logo se transformou em ponto de encontro para músicos, religiosos, políticos e figuras populares. Ali se cozinhava muito mais do que feijão e dendê: cozinhava-se cultura.
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O berço do samba: resistência em ritmo e melodia
Foi na casa de Tia Ciata que o samba urbano carioca ganhou forma. Nas rodas organizadas por ela, músicos como Donga, Pixinguinha, João da Baiana e Sinhô trocavam harmonias, improvisavam versos e fundavam, sem saber, um novo gênero musical brasileiro.
A primeira música registrada como samba, “Pelo Telefone” (1917), nasceu naquele ambiente. Embora a autoria seja atribuída a Donga e Mauro de Almeida, sabe-se que a canção foi construída coletivamente nas festas da casa de Ciata, onde a oralidade africana e a improvisação eram fundamentais.
O samba de Tia Ciata não era apenas diversão: era linguagem de resistência, escape da repressão policial e forma de afirmação cultural. Os terreiros, os quintais e os batuques estavam constantemente vigiados — e o ritmo era arma e escudo.
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Fé, silêncio e inteligência estratégica
Enquanto a frente da casa exalava cheiro de vatapá e som de violão, nos fundos aconteciam os cultos aos orixás. Tia Ciata era iniciada no Candomblé e mantinha, com firmeza e discrição, os fundamentos da religião afro-brasileira.
Num período em que o Candomblé era criminalizado, ela desenvolveu estratégias para proteger sua fé: associava orixás a santos católicos, promovia festas sincréticas e mantinha relações diplomáticas com figuras influentes da política e da medicina.
Conta-se que, certa vez, tratou com ervas um importante político com uma ferida de difícil cura. O feito lhe rendeu respeito e afastou a vigilância da polícia de sua casa, permitindo que os rituais continuassem.
O legado de Tia Ciata na cultura afro-brasileira
Tia Ciata é o elo entre a religiosidade dos terreiros e o nascimento da música mais popular do Brasil. Sua figura simboliza a mulher negra como matriz de cultura, guardiã da tradição e arquiteta da resistência.
Seu legado vive nas escolas de samba, nos blocos afros, nos terreiros urbanos e nas cozinhas cheias de axé. Mais do que uma personagem do passado, Tia Ciata é um arquétipo da ancestralidade que se renova a cada toque de tambor.
Conclusão: Quando o samba se veste de branco
Falar de Tia Ciata e o Candomblé é entender que o samba não nasceu no vazio. Ele brotou da terra molhada de axé, das mãos de mulheres negras, da fé que se manteve viva mesmo sob repressão.
Foi no quintal de Tia Ciata que a música encontrou o axé. Foi com ela que o samba calçou sandália de couro, vestiu pano da costa e virou monumento da cultura brasileira.
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🌐 Referência externa confiável: Museu do Samba – Tia Ciata
- Capa do livro: Mole | Gênero: Biografia e histórias reais. | Manual. | Número de páginas: 56. | Dimensões: 16cm largura …
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